terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O aparecimento da Sociologia em Portugal



O aparecimento da Sociologia em Portugal


Em 1818 nasce Karl Marx e em 1848 publica o “Manifesto do Partido Comunista”, panfleto obscuro na época mas que veio a tornar-se num manual de disseminação global da causa proletária, de larga divulgação. Oito anos depois da edição de “A Luta de Classes em França”, em 1850 pelo mesmo autor, nasce Émile Durkheim. Em 1864, assinala-se a redacção dos estatutos da Internacional Socialista e o nascimento de Max Weber. Em 1867 Karl Marx divulga o primeiro volume de “O Capital”, em 1893 Durkheim publica “A Divisão do Trabalho Social”, dez anos depois da morte de Karl Marx, e dois anos mais tarde, em 1895, “As Regras do Método Sociológico”. Os clássicos da Sociologia, Marx, Weber e Durkheim, geram-se no século XIX, acompanhando o período de importantes transformações sociais emergentes da contestação dos moldes das sociedades transactas. Diferentes formas sociais configuram novas classes e isso desperta uma esfera do saber que então se constituía. A especialização científica da Sociologia dava os primeiros passos. E em Portugal?

Há um conjunto de personalidades que ganham destaque neste contexto. Uma delas é Teófilo Braga. Influenciado pelo positivismo e evolucionismo da altura, bosquejados por Comte (1798-1857) e Spencer (1820-1903), Braga publica um conjunto de obras que se afiguram como tentâmen de edificação da disciplina no nosso país, ainda que elementar nos capítulos teórico e metodológico. Porém, a novel matéria conhecia fraca penetração no mundo universitário, estava quase sempre associada a outras áreas académicas e experimentava, por este motivo, indiferenciação disciplinar, como considera Madureira Pinto (2004: 12). No entanto, como alguns dos seus pares, não era imune às lutas político-ideológicas e movimentos sociais de então. Braga professava um projecto de educação e emancipação moral dos indivíduos, caracter doutrinário que Teixeira Fernandes (1996) e Victor Sá (1978) assinalam como característico da época. Teixeira Fernandes enfatiza, contudo, a importância de Alfredo Pimenta. Mas este foi um autor paradoxal.

Começa por professar o republicanismo, passa pela exaltação do fascismo e do imperialismo português e termina a aclamar a monarquia com genes autoritários. Ao longo do seu percurso teve bastante peso no impulsionamento do integralismo lusitano, valorizando a pátria em detrimento da ocultação das fraquezas depressoras do ânimo colectivo. Anti-positivista, tal como a doutrina que professava, demoniza Napoleão e o plebiscito, persegue Oliveira Martins e com ele o liberalismo demonizado por António Sardinha. O positivismo espelharia, na sua perspectiva, incapacidade para a especulação filosófica e uma perigosa ligação à esquerda onde pontificavam intelectuais burgueses conformes às correntes socialistas utópicas. A filosofia recusava o determinismo social e a sujeição dos indivíduos às estruturas que a sociologia preceituava. Apesar de tudo, ensina o relativismo cultural em “O Império Colonial factor de civilização”, de 1936, ao defender a existência de uma diversidade de civilizações “não há civilizações iguais; há civilizações diferentes (…) a civilização é o estado momentâneo das ideias, dos sentimentos e das actividades de um povo” (Pimenta, 1936: 33/34), mesmo que a seguir considere que a civilização portuguesa, espiritualista por derivar da influência do cristianismo, necessite da protecção do regime fascista. “O povo que ignorava o poder bruxo dos papelinhos de voto (…) unia-se à volta do seu chefe natural, daquele que não saíra das tropecias e malabarices de uma urna, mas viera dos desígnios impenetráveis da Providência, para mandar, e ser obedecido, para guiar, e ser respeitado” (idem: 40).

Pimenta foi ainda mais longe, entrando em confronto com os intelectuais que vigoravam na época, como Antero de Quental, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Ramalho Ortigão, Fialho de Almeida, entre outros, glosadores da afamada “decadência lusitana” e, simultaneamente, liberais. Contraditoriamente, ao ideal de progresso, civilização e evolução social que a “forasteira” sociologia professava, era-lhe construída uma vedação hostil, discordante, conservadora, inoculada de lamentosas queixas contra a situação do país, curiosamente, pelos liberais. O fascismo, anti-liberal por vocação, também os abjurou. Mas Pimenta não estava do lado de uma sociologia clássica, cujo método fora sugerido por Durkheim em 1895, mas sim do integralismo lusitano que observava esta disciplina pelo prisma mais conveniente, metodologicamente errado e eticamente reprovável. E o ataque a estes autores dá-se por razões políticas e estéticas: anti-liberais e anti-decadentistas. A sociologia encontrava-se entre duas linhas de fogo, mutilada e indefesa face a uma perspectiva etnológica “neogarretista” que Jacinto Prado Coelho caracterizou como “o abandono dos modelos franceses e o retorno às tradições nacionais, ao rusticismo sadio, à ingénua imaginação popular, à vernaculidade linguística” (Costa Pinto, 1982: 1412). Eça de Queirós, tal como os fascistas, comprometia-se, paradoxalmente, com o “reaportuguesamento” do país magoado com o caso do ultimato inglês. E o modelo romântico implanta-se, com novas tonalidades.

Como defende Bernardo, “o fascismo português encontrou o seu modelo nas romarias (…) fazendo apologia de tudo o que era pobre e retrógrado, (convertendo) em encenação a própria miséria, o que era mesmo dizer – o país” (Bernardo, 2002: 756). Contudo, a união dos vários movimentos artísticos numa grande “União Cívica” que reuniu seareiros, integralistas, anarquistas e republicanos, sucumbiu em detrimento de uma perspectiva nacionalista de direita, ela sim cultora de uma revolução estético-política capaz de mobilizar as massas para um projecto modernista e tradicionalista, sustém Reis Torgal (1998). Assim, o fascismo português diferenciou-se dos seus cognatos europeus pelos seguintes motivos: primeiro, esteve fortemente ligado à cultura burguesa e, segundo, mostrando-se menos empenhado nas encenações de força e poder, mas optando pela exibição encenada do povo e suas virtudes, da cultura popular fortemente incentivada pelo poder central, transformou-o em actor num palco realista manifesto num grande movimento cultor da realidade rural: o concurso da Aldeia Mais Portuguesa de Portugal, “precisamente porque constituiu a modalidade de fascismo mais alheada de uma política de massas, (vendo-se) obrigado a assumir uma maior dimensão estética” (Reis Torgal, 1998: 755).

Voltando a Alfredo Pimenta e ao mesmo texto que usamos atrás, pode-se ler que “o romance e o teatro português renovar-se-ão brilhantemente sem precisarmos de recorrer, naquele aos modelos de Anatole France ou Flaubert ou às microscopias mórbidas de Proust (…) o livrinho do Sr. Hipólito Raposo, Ana a Kalunga, é uma bela promessa” (Pimenta, 1936: 49) Se num primeiro momento o pensamento liberal favoreceu o seu desenvolvimento, o pensamento conservador, supostamente sustentado por laivos intelectuais, da geração de 70, limitou o desenvolvimento da Sociologia em Portugal. Eça de Queiroz, em “A Capital”, escarnece de Artur Corvelo, o protagonista da história que se lança “no culto de exclusivo de Proudhon, Stuart Mill e Augusto Comte, e não compreendia realmente o que vinham fazer Jesus, Madalena e os sicómoros da Betânia em pleno século XIX, à hora do Positivismo e do Socialismo!” (Queiroz, 1999: 22).

Há um último nome a apreciar, o de Pedro Amorim Viana. Considerado o primeiro sociólogo português por Victor de Sá (1978:38), Amorim Viana foi muito activo no plano intelectual da época ao mesclar uma perspectiva panteísta e religiosa com uma sociológica, na medida em que confere importância ao colectivo e ao processo histórico. 
Por fim, além do positivismo, a Sociologia recebeu influências do pensamento socialista, activo nas Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, em 1871. Identicamente de carácter doutrinário, revelavam preocupação com a já relatada “decadência nacional”. Nelas estiveram envolvidos Antero de Quental, Eça de Queiroz, Adolfo Coelho e Augusto Soromenho. Os que se perfilavam para a sua dissertação, foram impedidos pelas autoridades que as ilegalizaram. Contudo, fica patente nesses colóquios a ideia do compromisso com o capitalismo, com a industrialização, e com a burguesia, classe moderna por excelência que sofreu a oposição da aristocracia, nas palavras de Antero. As transformações sociais e políticas postas em marcha com a Constituição de 1822, a industrialização, a penetração do positivismo e da doutrina comtiana, dos ideais socialistas e republicanos, encontram eco na produção científica e literária.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A política da linguagem e a linguagem da regressão política

Aqui vai um texto muito bom do James Petras.

O capitalismo e os seus defensores mantêm a dominação através dos "recursos materiais" sob o seu comando, especialmente o aparelho de estado, e suas empresas produtivas, financeiras e comerciais, bem como através da manipulação da consciência popular via ideólogos, jornalistas, académicos e publicitários que fabricam os argumentos e a linguagem para enquadrar as questões do dia.

Hoje as condições materiais para a vasta maioria dos trabalhadores deterioram-se drasticamente pois a classe capitalista descarrega todo o fardo da crise e da recuperação dos seus lucros sobre as costas das classes assalariadas. Um dos aspectos gritantes deste contínuo rebaixamento de padrões de vida é a ausência até agora de um grande levantamento social. A Grécia e a Espanha, com mais de 50% de desemprego na faixa etária dos 16-24 anos e aproximadamente 25% de desemprego geral, experimentaram uma dúzia de greves gerais e numerosos protestos nacionais com muitos milhões de pessoas; mais não provocou qualquer mudança real de regime ou de políticas. Os despedimentos em massa, os salários penosos, os cortes em pensões e serviços sociais continuam. Em outros países, como a Itália, França e Inglaterra, protestos e descontentamento manifestam-se na arena eleitoral, com governantes afastados e substituídos pela oposição tradicional. Mas no decorrer da agitação social e da profunda erosão sócio-económica das condições económicas e de vida, a ideologia dominante que informa os movimentos, sindicatos e oposição política é reformista: Apelos para defender benefícios sociais existentes, aumentar despesas públicas e investimentos, pela expansão do papel do estado onde a actividade do sector privados deixou de investir ou empregar. Por outras palavras, a esquerda propõe conservar um passado em que o capitalismo estava arreado com o estado previdência.

O problema é que este "capitalismo do passado" foi-se e um novo capitalismo mais virulento e intransigente emergiu forjando uma nova estrutura mundial e um poderoso aparelho de estado obstinado e imune a todos os apelos por "reforma" e reorientação. A confusão, frustração e má direcção da oposição popular de massa é, em parte, devido à adopção por escritores, jornalistas e académicos de esquerda dos conceitos e linguagem adoptados pelos seus adversários capitalistas: linguagem concebida para obscurecer as verdadeiras relações sociais de exploração brutal, o papel central das classes dominantes na reversão de ganhos sociais e as ligações profundas entre a classe capitalista e o estado. Publicitários, académicos e jornalistas elaboraram toda uma litania de conceitos e termos que perpetuam o domínio capitalista e desviam seus críticos e suas vítimas dos que perpetram o seu drástico deslizamento rumo ao empobrecimento em massa.

Mesmo quando formulam suas críticas e denúncias, os críticos do capitalismo utilizam a linguagem e os conceitos dos seus apologistas. Na medida em que a linguagem do capitalismo entrou no linguajar geral da esquerda, a classe capitalista estabeleceu a hegemonia ou dominação sobre os seus antigos adversários. Pior, a esquerda, ao combinar alguns dos conceitos básicos do capitalismo com a crítica aguda, cria ilusões acerca da possibilidade de reformar "o mercado" para servir objectivos populares. Isto faz com que falhe a identificação das ideias mestras das forças sociais que devem ser expulsas dos comandos da economia e do imperativo de desmantelar o estado dominado pela classe. Enquanto a esquerda denuncia a crise capitalista e os salvamentos do estado, a sua própria pobreza de pensamento mina o desenvolvimento da acção política de massa. Neste contexto a "linguagem" da ocultação torna-se uma "força material" – um veículo do poder capitalista, cuja utilização primária é desorientar e desarmar seus críticos intelectuais através do uso de termos, estruturas conceptuais e linguagem que dominam a discussão da crise capitalista.

Eufemismos chave ao serviço da ofensiva capitalista

Os eufemismos têm um duplo significado: O que os termos implicam (connote) e o que eles realmente significam. Concepções eufemísticas sob o capitalismo implicam uma realidade favorável ou comportamento aceitável e actividade totalmente dissociada do engrandecimento da riqueza da elite e da concentração de poder e privilégio. Os eufemismos disfarçam o impulso das elites do poder para impor medidas específicas de classe e para reprimir sem serem adequadamente identificados, responsabilizados e opostos pela acção popular de massa.

O eufemismo mais comum é a palavra "mercado", a qual é dotada de características e poderes humanos. Como tal, dizem-nos que "o mercado exige cortar salários" desligado da classe capitalista. Mercados, intercâmbio de mercadorias ou compra e venda de bens, têm existido há milhares de anos em diferentes sistemas sociais em contextos altamente diferenciados. Eles têm sido globais, nacionais, regionais e local. Envolvem diferentes actores sócio-económicos e compreendem unidades económicas muito diferentes, as quais vão desde casas comerciais gigantes promovidas pelo Estado até ao nível de aldeias camponesas de semi-subsistência e praças de cidades. Existiram "mercados" em todas as sociedades complexas: escravocratas, feudais, mercantis e em primitivas ou tardias sociedades capitalistas competitivas, monopolistas industriais e financeiras.

Ao discutir e analisar "mercados" e compreender as transacções (quem beneficia e quem perde), deve-se claramente identificar as classes sociais que dominam as transacções económicas. Escrever na generalidade acerca de "mercados" é enganoso porque os mercados não existem independentemente das relações sociais que definem o que é produzido e vendido, como é produzido e que configurações de classe modelam o comportamento dos produtores, vendedores e do trabalho. A realidade do mercado de hoje é definida por corporações e bancos multinacionais gigantescos, os quais dominam o trabalho e os mercados de commodities. Escrever de "mercados" como se operassem numa esfera acima e para além das brutais desigualdades de classe é esconder a essência das relações de classe contemporâneas.

Fundamental para qualquer entendimento, mas ignorado pela discussão contemporânea, é o poder incontestado dos proprietários capitalistas dos meios de produção e de distribuição, a propriedade capitalista da publicidade, os banqueiros capitalistas que concedem ou negam crédito e os responsáveis do estado nomeados pelos capitalistas que "regulamentam" ou desregulamentam relações de troca. Os resultados das suas políticas são atribuídos às eufemísticas exigências do "mercado" as quais parecem estar divorciadas da realidade brutal. Portanto, como insinuam os propagandistas, ir contra "o mercado" é opor-se ao intercâmbio de bens. Isto é claramente absurdo. Em contraste, identificar exigências capitalistas sobre o trabalho, incluindo reduções em salários, bem-estar e segurança, é confrontar uma forma exploradora específica de comportamento de mercado onde capitalistas procuram ganhar lucros mais altos contra os interesses e o bem-estar da maioria dos trabalhadores assalariados.

Ao confundirem relações de mercado exploradoras sob o capitalismo com mercados em geral, os ideólogos alcançam vários resultados: Eles disfarçam o papel principal dos capitalistas quando evocam uma instituição com conotações positivas, isto é, um "mercado" onde pessoas compram bens de consumo e "socializam-se" com amigos e conhecidos. Por outras palavras, quando "o mercado", o qual é retratado como um amigo e benfeitor da sociedade, impõe políticas presumivelmente penosas é para o bem-estar da comunidade. Pelo é o que os propagandistas dos negócios querem que o público acredite ao mercadejarem sua virtuosa imagem do "mercado"; eles mascaram o comportamento predatório do capital na caça por maiores lucros.

Um dos eufemismos mais comuns lançado em meio a esta crise económica é "austeridade", um termo utilizado para encobrir as duras realidades de cortes draconianos em salários, pensões e bem-estar público e o aumento drástico de impostos regressivos (IVA). Medidas de "austeridade" significam políticas para proteger e mesmo aumentar subsídios do estado a negócios, criar lucros mais altos para o capital e maiores desigualdades entre os 10% do topo e os 90% da base. "Austeridade" implica auto-disciplina, simplicidade, parcimónia, poupança, responsabilidade, limites em luxos e gastos supérfluos, evitar a satisfação imediata em benefício da segurança futura – uma espécie de calvinismo colectivo. A conotação da palavra é o sacrifício compartilhado hoje para bem-estar futuro de todos.

Contudo, na prática "austeridade" descreve políticas que são concebidas pela elite financeira para implementar reduções no padrão de vida de uma classe específica e em serviços sociais (tais como saúde e educação) disponíveis para trabalhadores e empregados assalariados. Significa que fundos públicos podem ser desviados numa extensão ainda maior para pagar altos juros a possuidores de títulos ricos enquanto sujeitam a política pública aos ditames dos senhores do capital financeiro.

Ao invés de falar de "austeridade", com sua conotação de severa auto-disciplina, os críticos de esquerda deveriam descrever claramente as políticas da classe dominante contra o trabalho e as classes assalariadas, as quais aumentam desigualdades e concentram no topo ainda mais riqueza e poder. Políticas de "austeridade" são portanto uma expressão de como as classes dominantes utilizam o estado para comutar o fardo do custo da sua crise económica para cima do trabalho.

Os ideólogos das classes dominantes apropriaram-se de conceitos e termos, os quais a esquerda originalmente utilizou para o avanço de melhorias em padrões de vida e que se voltaram contra si. Dois destes eufemismos, tomados da esquerda, são "reforma" e "ajustamento estrutural". "Reforma, durante muitos séculos, referia-se a mudanças, as quais diminuíam desigualdades e aumentavam a representação popular. "Reformas" eram mudanças positivas que promoviam o bem-estar público e a restrição do abuso de poder por regimes oligárquicos ou plutocráticos. Ao longo das últimas três décadas, contudo, importantes académicos, economistas, jornalistas e responsáveis da banca internacional subverteram o significado de "reforma" transformando-o no seu oposto: agora refere-se à eliminação de direitos do trabalho, ao fim da regulamentação pública do capital e à redução de subsídios públicos que tornavam a alimentação e o combustível acessíveis aos pobres. No vocabulário capitalista de hoje "reforma" significa reverter mudanças progressistas e restaurar os privilégios de monopólios privados. "Reforma" significa acabar com a segurança de emprego e facilitar despedimentos maciços de trabalhadores pelo rebaixamento ou eliminação da indemnização por despedimento. "Reforma" já não significa mudanças sociais positivas; agora significa reverter aquelas mudanças arduamente conquistas e restaurar o poder irrestrito do capital. Significa um retorno à fase primitiva e mais brutal do capital, antes de existirem organizações de trabalhadores e quando a luta de classe era suprimida. Portanto "reforma" agora significa restaurar privilégios, poder e lucro para os ricos.

De um modo semelhante, os cortesãos linguísticos da profissão económica puseram o termo "estrutural", como em "ajustamento estrutural", ao serviço do poder desenfreado do capital. Ainda na década de 1970 a mudança "estrutural" referia-se à redistribuição da terra dos grandes latifundiários para os destituídos de terra; uma mudança de poder dos plutocratas para as classes populares. "Estruturas" referia-se à organização do poder privado concentrado no estado e na economia. Hoje, contudo, "estrutura" refere-se às instituições e políticas públicas, as quais tiveram origem nas lutas do trabalho e da cidadania para proporcionar segurança social, para proteger o bem-estar, saúde e aposentação de trabalhadores. "Mudanças estruturais" são agora o eufemismo para esmagar aquelas instituições públicas, acabar com os constrangimentos ao comportamento predatório do capital e destruir a capacidade do trabalho para negociar, lutar ou preservar seus avanços sociais.

O termo "ajustamento", como em "ajustamento estrutural" (AS), é em si próprio um eufemismo suave que implica sintonia fina, a modulação cuidadosa de instituições e políticas públicas que apoiam a saúde e o equilíbrio. Mas, na realidade, "ajustamento estrutural" representa um ataque frontal ao sector público e um desmantelamento geral de legislação protectora e de agências públicas organizadas para proteger o trabalho, o ambiente e os consumidores. "Ajustamento estrutural" mascara um assalto sistemático aos padrões de vida do povo em benefício da classe capitalista.

A classe capitalista tem cultivado uma safra de economistas e jornalistas que apregoam políticas brutais em linguagem suave, evasiva e enganosa a fim de neutralizar a oposição popular. Infelizmente, muito dos seus críticos "de esquerda" tendem a apoiar-se na mesma terminologia.

Dada a corrupção generalizada da linguagem, tão difusa nas discussões contemporâneas acerca da crise do capitalismo, a esquerda deveria cessar de se apoiar neste conjunto enganoso de eufemismos apropriados pela classe dominante. É frustrante ver quão facilmente as expressões seguintes entram no nosso discurso:

"Disciplina de mercado" – O eufemismo "disciplina" denota uma fortaleza de carácter séria e consciente em face de desafios em contraposição a comportamento irresponsável, escapista. Na realidade, quando vai a par com "mercado", refere-se a capitalistas a aproveitarem-se de trabalhadores desempregados e utilizarem sua influência política e o poder de despedirem massas de trabalhadores e intimidar os empregados remanescentes para maior exploração e excesso de trabalho, produzindo portanto mais lucro por menos pagamento. Ela também cobre a capacidade de grandes senhores capitalistas elevarem sua taxa de lucro cortando os custos sociais de produção, tais como protecção ambiental e do trabalhador, cobertura de saúde e pensões.

"Choque de mercado" – Refere-se a capitalistas ocupados com maciços e abruptos despedimentos brutais, cortes em salários e eliminação de planos de saúde e pensões a fim de melhorar cotações de acções, aumentar lucros e assegurar maiores bónus para os patrões. Ao ligar o termo suave e neutro de "mercado" com "choque", os apologistas do capital disfarçam a identidade dos responsáveis por tais medidas, suas consequências brutais e os imensos benefícios desfrutados pela elite.

"Exigências do mercado" – Esta frase eufemística é destinada a antropomorfizar uma categoria económica, afastar a crítica de proprietários reais de carne e osso, dos seus interesses de classe e do seu despótico estrangulamento do trabalho. Ao invés de "exigências de mercado", a frase deveria ser lida: "a classe capitalista ordena aos trabalhadores que sacrifiquem seus próprios salários e saúde para assegurar mais lucro para as corporações multinacionais" – um conceito claro que provavelmente despertará a ira daqueles adversamente atingidos.

"Livre empresa" – Um eufemismo que é a combinação de dois conceitos reais: empresa privada para lucro privado e competição livre. Ao eliminar a imagem subjacente do ganho privado para os poucos contra o interesse dos muitos, os apologistas do capital inventaram um conceito que enfatiza as virtudes individuais de "empresa" e "liberdade" em oposição aos vícios económicos reais da cobiça e da exploração.

"Mercado livre" – Um eufemismo que implica competição livre, justa e igual em mercados não regulados encobrindo a realidade da dominação de mercado por monopólios e oligopólios dependentes de maciços salvamentos do estado em tempos de crise capitalista. "Livre" refere-se especificamente à ausência de regulamentações públicas e intervenção do estado para defender a segurança dos trabalhadores bem como a do consumidor e a protecção ambiental. Por outras palavras, "liberdade" mascara a destruição desumana da ordem cívica por capitalistas privados através do seu exercício desenfreado do poder económico e político. "Mercado livre" é o eufemismo para o domínio absoluto de capitalistas sobre os direitos e meios de vida de milhões de cidadãos, na essência uma verdadeira negação da liberdade.

"Recuperação económica" – Esta frase eufemística significa a recuperação de lucros pelas grandes corporações. Ela disfarça a ausência total de recuperação de padrões de vida para as classes trabalhadora e média, a reversão de benefícios sociais e as perdas económicas de detentores de hipotecas, devedores, os desempregados a longo prazo e proprietários de pequenos negócios em bancarrota. O que é encoberto na expressão "recuperação económica" é como a pauperização em massa se torna uma condição chave para a recuperação de lucros corporativos.

"Privatização" – O termo descreve a transferência de empresas públicas, habitualmente aquelas lucrativas, para capitalistas de grande escala privados, bem conectados, a preços bem abaixo do seu valor real, levando à perda de serviços públicos, emprego público estável e custos mais elevados para os consumidores pois os novos proprietários privados elevam preços e despedem trabalhadores – tudo em nome de outro eufemismo: "eficiência".

"Eficiência" – Eficiência aqui refere-se apenas ao balanço de uma empresa; não reflecte os custos pesados da "privatização" arcados por sectores relacionados da economia. Exemplo: "privatizações" dos transportes aumentam custos de negócios a montante a jusante tornando-os menos competitivos em comparação com competidores em outros países; "privatização" elimina serviços em regiões que são menos lucrativas, levando ao colapso económico local e ao isolamento dos mercados nacionais. Frequentemente, responsáveis públicos, que estão alinhados com capitalistas privados, desinvestem deliberadamente em empresas públicas e nomeiam compadres políticos incompetentes como parte da política clientelista, a fim de degradar serviços e fomentar descontentamento público. Isto cria uma opinião pública favorável a "privatização" da empresa. Por outras palavras, a "privatização" não é um resultado das ineficiências inerentes das empresas públicas, como os ideólogos do capital gostam de argumentar, mas um acto político deliberado destinado o ganho do capital privado à custa do bem-estar público.

Conclusão

Linguagem, conceitos e eufemismos são armas importantes na luta de classe "dos de cima" concebidos por jornalistas e economistas capitalistas para maximizar a riqueza e o poder do capital. Na medida em que críticos progressistas e de esquerda adoptam estes eufemismos e seu quadro de referência, as críticas e alternativas que propõem são limitadas pela retórica do capital. Colocar "aspas" em torno dos eufemismos pode ser um sinal de desaprovação mas isto não promove o quadro analítico diferente que é necessário para o êxito da luta de classe dos "de baixo". Igualmente importante, deixa de lado a necessidade de uma ruptura fundamental com o sistema capitalista incluindo sua linguagem corrompida e seus conceitos enganosos. Os capitalistas subverteram em grande medida ganhos fundamentais da classe trabalhadora e estamos a cair outra vez em direcção ao domínio absoluto do capital. Isto deve relançar a questão de uma transformação socialista do estado, da economia e da estrutura de classe. Uma parte integral desse processo deve a rejeição total dos eufemismos utilizados pelos ideólogos capitalistas e a sua substituição sistemática por termos e conceitos que verdadeiramente reflictam a implacável realidade, que claramente identifiquem os perpetradores deste declínio e que definam as agências sociais para a transformação política.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A propósito do corpo


O simpósio sobre transsexualidade na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto teve o condão de criar um conjunto de perplexidades que desde sempre me assolaram. Dele ressaltou a ideia que o diálogo entre as ciências sociais e a medicina continua tenso, pois cada uma destas reivindica o saber para justificar as intervenções no corpo. As primeiras, que muitas vezes incorporam o discurso do activismo, possuem resistências face ao segundo.
Na elaboração da minha dissertação de mestrado, entrei em contacto com um conjunto de pessoas que sofreram intervenções cirúrgicas com propósitos estéticos. Em 2000, a cirurgia plástica tomava proporções que hoje em dia estão perfeitamente aceites pela sociedade no seu todo, congruentes com a presença de uma multiplicidade de modelos estéticos entretanto socializados. A preocupação com a imagem pessoal e sua manutenção, designada por muitos cirurgiões de síndroma de Bay Watch, continua a recorrer a técnicas cirúrgicas e não cirúrgicas com o objectivo último de construir uma imagem individual mais congruente com o self. No caso da cirurgia plástica, podemos encontrar um padrão normativo e comportamental fundamentado por uma ordem cultural global e por uma narrativa científica que adjudica idoneidade a um primeiro grau de intervenção técnica. Neste caso, a relação que o indivíduo estabelece com o seu corpo enquadra-se nos parâmetros da avaliação contínua do presente biológico que sonha transcender a delapidação por via do grande conhecimento da ciência médica, exemplo de um modelo de racionalidade científica que se encontra instalado. O que nitidamente se constata é que "o conhecimento do conhecimento científico", explicado pela penetração desta racionalidade operativa no mundo das relações sociais, é garante, a um tempo, da decisão de partir para a cirurgia, mas que, num segundo tempo, quando falha, levanta imensas questões metodológicas e pessoais. Aparentemente, qualquer objecto que tenha por trás o grande conhecimento domesticador da ciência, apresenta-se com alguma capacidade de neutralização do erro. 
No dito seminário onde estive presente, o mesmo discurso surgiu e provocou-me esta reflexão, subsidiária das reivindicações por parte de grupos transsexuais e que agora que partilhar com o leitor. Importa, antes de mais, fazer um breve resumo e colocar nos respectivos lugares os diferentes actores sociais. De um lado, apresentava-se o saber médico, representado por psiquiatras, endocrinologistas, cirurgiões, entre outros actores com laços científicos de proximidade; do outro, os activistas dos direitos homossexuais, transsexuais e bissexuais. Entre eles todos, subsistiam subtis diferenças e persistia um conjunto de problemas intrínsecos à demarcação de género: o transsexual, aquele que procura fazer transmutações de símbolos corporais manifestados numa corporalidade específica, associados a habitus particulares e emissão de comunicações carnais, encontra-se despojado de uma cultura de visão e divisão. Neste sentido, a questão transsexual esgota-se em si mesma e, como tal, deve ser analisada com particular atenção. Usar as mesmas fórmulas para perceber problemas distintos é um erro de aproximação metodológica, etnocêntrico e naturalizador. E é aqui que aparece o primeiro ponto de tensão. Mais uma vez, de um lado, os transsexuais a reivindicarem a despatologização da função transformativa e do outro, o saber médico, que opera sobre um mapa cognitivo que naturaliza as diferenças de género e não as entende como construção cultural, denotando alguma rigidez e fraco esforço para entrar em diálogo com o património conceptual das ciências sociais. Mas não são os únicos a laborarem num aparente etnocentrismo. Providos de uma cultura de afirmação e demarcação mais sólida e satisfatoriamente implantada, os homossexuais entram várias vezes em fricção com os transsexuais por provocarem um problema de lógica na construção da sexualidade. Após a desconstrução da normatividade heterossexual, recebendo o precioso auxílio de activistas e autoras feministas, não negligenciando o reconhecido trabalho de pesquisa teórica de autores do campo das ciências sociais, não possuem ferramentas culturais que lhes permitam entender uma outra alteridade sexual julgando, paradoxalmente, a sexualidade de uma forma dicotómica e estabelecida sobre dois termos que penalizam: homo e hetero. Ser transsexual é habitar numa terra de ninguém e o saber médico, patente no discurso dos próprios urologistas que tivemos ocasião de registar, reforça a sobreposição entre uma genitália particular e o seu uso normativizado, segundo um padrão hetero ou mesmo homo. Existe apenas mudança de sexo, não de género, classificam. Os transsexuais parecem desprotegidos face a uma cultura gay dominante, creditada em acção pública entretanto despatologizada, e face ao saber médico, que insiste na perspectiva que a transsexualidade é uma patologia mensurável em termos clínicos e médicos e se mostra receoso em avançar para uma operação de mudança de sexo, cujo erro poderia ser dramático no âmbito do sistema nacional de saúde. Mudar de sexo é profano, para o mesmo saber médico que despatologizou a homossexualidade e para a cultura gay que não inclui a mudança de sexo na marcação homossexual, que se serve de um corpo para definir uma sexualidade, como acontece em outras circunstâncias com os heterossexuais. Tal como em actividades que exigem do corpo uma marcação objectiva em consonância com as prescrições orientadoras das práticas individuais, somatizando a cultura e sancionando comportamentos divergentes, também a cultura gay naturaliza a função objectiva da sua sexualidade após desnaturalizar a abordagem dicotómica da sexualidade e, enquanto colectivo que legitima práticas individuais na gestão dos corpos, impõe esse comportamento específico. A transsexualidade implica desencorporação e encorporação no normativamente idealizado pela sociedade e pelos grupos. A uma desvinculação biológica sucede uma vinculação cultural, pressionante. Contudo, na sua globalidade e em casos muito específicos, o discurso transsexual é povoado de inúmeras incertezas. Há quem não queira fazer alteração de sexo e se sinta confortável com a indefinição de género, reiterando que pelo facto de se possuir uma genitália  específica isso não signifique uma marcação nesses termos. Há quem procure operar redefinições das classificações linguísticas. E também há quem rejeite liminarmente que a decisão de resolução do transtorno de identidade sexual fique ao critério do saber médico. Se Foucault assinala o aparecimento de uma moral auto-centrada no indivíduo que lhe permitiu reflectir sobre a condição moral, julgamos que actualmente este se afigura como elemento chave de um complexo operativo que aliou biologia, reflexividade e técnica para se produzir a si próprio como imagem mais congruente da sua individualidade. É assim evidente a proclamação da sua dualidade: apresenta-se com presença simultânea nos campos da natureza e da cultura. Natureza, porque uma série de discursos o fizeram crer neste tipo de aparente exterioridade do próprio corpo, facultando-lhe uma epistemologia que sustenta a sua expressividade, sendo esta súmula do segundo termo, a cultura, que, todavia, não se extingue por aqui. A cultura, enquanto sistema de conhecimento, como diz Leach, ou de comunicação, segundo Hall ou Bourdieu, possui ramificações que se dirigem a um mosaico de opções legitimadoras da tarefa, tornando-se mais efectivas com uma globalização de referentes culturais apoiadas numa rede de infra-estruturas sociais que propiciam um comportamento cultural. Os grupos LGBT conhecem activismo a nivel planetário. As relações entre corpo e tecnologia, aquelas que me interessou tratar neste texto, são mais do que suficientes para evocar um conjunto de problemas disciplinares e metodológicos que têm provado ser focos de ansiedade no olhar tutelar das ciências sociais. Nesta reflexão, levanta-se a questão problemática das associações entre natureza e cultura, entre razão e desejo, prementes na compreensão da actividade biológica e corporal desenvolvida pelo indivíduo. Ao contrário da cirurgia plástica estética que estudei, mediante a qual se procura vencer a idade transcendendo a sua delapidação, aqui procura ultrapassar-se o corpo utilizando tecnologias que permitam a emancipação pessoal. É este o ponto referencial da discussão, a individualidade. Todavia, sem uma narrativa estável que permita reivindicar um procedimento, em confronto com a cultura gay e com o saber médico-cirúrgico, todo ele povoado de tensões derivadas do uso estável e idóneo da técnica que, tal como a ciência é imprevisível, teme as intervenções directas na carne e arrasta este temor às sub-disciplinas de suporte, os transsexuais encontram-se abandonados e não conseguem ser indivíduos. Neste sentido, é importante discutir estes assuntos porque a sociologia deve possuir, como Durkheim reivindicava, um cariz de justiça social.

domingo, 6 de maio de 2012

Entrevista com Boaventura de Sousa Santos

Aqui está uma entrevista com Boaventura de Sousa Santos, no Jornal i. Espero que gostem

O professor de Coimbra acredita que existe uma alternativa à política da troika. A formação do Observatório sobre Crises e Alternativas pretende municiar a sociedade civil de pistas para trilhar um outro caminho. Para Boaventura Sousa Santos, essa política passa por desobedecer à troika.
O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, disse recentemente que o modelo social europeu tinha morrido.
O que se pode esperar de um homem da Goldman Sachs? A Goldman Sachs é uma espécie de companhia majestática das Índias. A Europa tem a democracia suspensa. Nós estamos num sistema colonial em que os grandes líderes não foram eleitos: não o foi Lucas Papademos, Mario Monti, Draghi. Esses homens pertenceram todos à mesma empresa. Leia uma carta pungente de um antigo executivo da Goldman Sachs, ao “New York Times”, que sai em ruptura e denuncia o monstro em que se tornou esta empresa. Ela já não cuida dos seus clientes, cuida de acumular capital e poder. É uma empresa colonial que tem poderes de soberania sobre os povos. O poder destas pessoas é assente no modelo de acumulação do capital financeiro. Elas vêem o Estado social, grande mecanismo de distribuição dos rendimentos, como um inimigo. Os impostos, para eles, são anátemas.
Antes de a troika entrar em Portugal, o professor assinou com personalidades de vários quadrantes políticos e sociais uma carta que foi interpretada como um apelo a uma espécie de união nacional para receber a ajuda internacional. Votaria a assinar essa carta?
Essa carta procurava produzir uma alternativa nacional contra a troika e as medidas que se adivinhavam. A carta era provavelmente ambígua para ter esse grande leque de assinaturas, mas defendia em si mesma que a coesão nacional não podia ser posta em causa e que a protecção social tinha de ser mantida, mesmo numa situação de crise. Eu assinei-a pensando que, se nós tivéssemos a força de uma grande união, podíamos ter evitado o pior. Hoje, retrospectivamente, acho que foi uma posição um pouco ingénua porque os dados já estavam todos lançados. O projecto neoliberal estava no terreno. A direita portuguesa, tal como a direita europeia, o que quis fazer foi conseguir através de uma crise europeia aquilo que não obteve por eleições. Isto é a sua grande oportunidade. Vimos isso com Passos Coelho. Ele quer ser mais exigente e duro com os portugueses que a troika, para destruir o modelo social europeu.
Não acha que o problema foi pensar que a crise é igual para todos? A sua posição sobre a crise ou a do banqueiro Ricardo Salgado, que assinou o documento, nunca serão iguais. Mesmo nesta crise, há quem ganhe muito.
O que houve aí foi a expressão de uma tensão que existe no terreno. O documento não expressava um posicionamento anticapitalista, com que eu me identifico. Naquela altura, do que se tratava era da luta do capital nacional contra o capital alemão – de alguma maneira, de uma forma caricatural, aqui representado pelo Álvaro Santos Pereira e o Vítor Gaspar. O nosso ministro das Finanças, Vítor Gaspar, tem passaporte português mas é alemão. Foi criado pelos alemães, foi educado por eles no Banco Central Europeu. Este homem vê o mundo pelos olhos da Alemanha. A capacidade de entidades como a Goldman Sachs vê--se aqui: os seus quadros têm passaportes diferentes, mas pensam exactamente da mesma maneira. Para homens como o António Borges, que é outro caso notável deste tipo de orientação política, não existe uma noção de integridade nacional ou coesão nacional. Quando esteve à frente dos fundos de investimento foi totalmente contra qualquer regulação do capital financeiro. Não admira que agora não possa ter outro tipo de preocupações que não as do capital financeiro no processo das privatizações. Estes quadros formados na Goldman Sachs é que a fazem ser um potentado. Não é por acaso que ela é conhecida como a lula- -vampiro. Oferece dirigentes aos governos em crise, como Monti e Papademos, e quando eles saírem do poder oferece--lhes lugares. Estes homens estão entre o poder económico e o poder político.
Há alguma alternativa económica e política a este programa da troika?
Absolutamente. O que é extraordinário é que propostas que há dez anos eram consideradas revolucionárias, como a taxa Tobin, sejam hoje defendidas por Sarkozy e pela directora-geral do FMI, Christine Lagarde. Quando começou a crise, no livro que eu escrevi “O Ensaio Contra a Autoflagelação” defendi que não havia um problema da dívida grega, há uma dívida europeia que, com eurobonds, se resolveria na altura – uma proposta vista nessa época como revolucionária. Hoje é partilhada pelo FMI. O Fundo Monetário tem a sua política própria e não aceita estar às ordens da Merkel, até porque já viu que as coisas estão a mudar na Europa. Há alternativas, o problema todo é que as soluções estão a chegar tarde. A desobediência à ortodoxia neoliberal vai ocorrer no momento do desastre. Por isso é que eu tenho vindo a propor uma desobediência dentro do euro. A alternativa é essa: todos os tratados internacionais aceitam cláusulas de derrogação em situações de crise. Foi assim que a África do Sul pode derrogar as patentes para lutar contra o vírus do HIV. Era uma emergência nacional. O Brasil também o fez. Mesmo não havendo cláusulas no tratado, nós podemos usar o direito internacional. Temos é de ter líderes que o façam. Há aqui uma emergência nacional.
Mas podemos desobedecer sozinhos?
A desobediência vai ter de começar por alguém, mas depois são necessários aliados. O que está a acontecer na França com as presidenciais pode ser interessante. O problema é uma questão de tempo. Essa desobediência exige três coisas: nós vamos ter de fazer controlo de capitais temporariamente. Vamos ter de controlar durante algum tempo as importações e fazer uma amortização e reestruturação da dívida, uma suspensão do serviço da dívida por algum tempo. Neste momento, o saldo primário da nossa economia é nulo ou positivo. Se nós suspendermos o pagamento da dívida, Portugal começa a crescer. Isto é uma desobediência. Vai-me dizer: expulsam-nos no dia seguinte. A minha teoria é que expulsar Portugal do euro é um risco maior para quem expulsa do que aceitar essa situação. Nós precisamos de líderes que comecem esse processo e, depois, de conseguir apoios que podem vir de muitos sítios, mesmo lugares de onde não se imagina: de um Cameron, da Irlanda ou da França.
Mas para haver uma desobediência em Portugal é preciso um sujeito político que a imponha. Não é certamente o actual governo…
Não é o governo nem é, infelizmente, o Partido Socialista que temos neste momento. O Partido Socialista precisa de se desvincular da assinatura do Memorando. Como é que o pode fazer? De uma maneira muito simples: quem lê o que escreve o “Financial Times” ou os blogues dos quadros dos fundos de investimento já sabe que é dito por eles e, como é uma previsão deles, eles fazem-na acontecer. Todos eles defendem que é necessário um segundo resgate. É preciso mais tempo. O Partido Socialista tem a oportunidade de dizer “nós estávamos comprometidos com o primeiro resgate, mas com mais nenhum”. Assim, desvinculava-se destas políticas. E de dizer aos portugueses que tem de se encontrar uma outra solução. Isto vai exigir que haja algumas mudanças no resto da Europa. Aqueles que fazem este tipo de políticas estão em crescentes dificuldades – veja-se o caso do Rajoy. E não é por demérito dele, porque aplica a mesma cartilha. Nós não precisamos de políticos para a receita que está a ser seguida, porque os homens da Goldman Sachs fazem o trabalho por eles. Dão-lhes os dados e ditam- -lhes as soluções. O problema é que a Espanha é muito importante para os credores. E eles estão aí para receber o seu capital. Daí a pressão sobre a Espanha. Em França, que é o fiel da balança da Europa, há uma opção mais à esquerda, nem sequer muito radical, de Hollande, e há o crescimento da extrema-direita.
Estamos a viver tempos semelhantes aos anos 30 que podem levar à tomada do poder por parte da extrema-direita em vários países?
Acho que estamos a assistir ao que eu chamo um totalitarismo gradual. A democracia continua. Não há estado de excepção. O Tribunal Constitucional não intervém apesar de, no meu entender, a Constituição estar suspensa, assim como a democracia. Sem que tenha havido uma alteração das leis. Há uma certa suspensão da institucionalidade sem que tenha havido mudança do quadro legal. Temos partidos e uma democracia de baixa intensidade. É só para os partidos, porque os grandes partidos pensam todos da mesma forma.
Um oficial superior da PSP defendeu a tolerância zero às manifestações no 25 de Abril. Isso enquadra-se no que diz?
Acho que temos esse risco. No momento em que a democracia se transformar numa questão formal em que as instituições não consigam captar as aspirações dos cidadãos, as pessoas tendem a mover-se para formas pós-institucionais de actuação, isto é, a rua e as praças. Quando isso se dá, há uma tendência autoritária de tentar repor a institucionalidade pela força. Mas nas sociedades democráticas não pode ser assim, porque essa força vai produzir mais rua e tornar os enfrentamentos mais graves. Penso que um país que passou 48 anos em ditadura deve ter um grande cuidado em manter um jogo democrático. Infelizmente, caminhamos para um sistema em que as sociedades são politicamente democráticas e socialmente fascistas. Quando fazemos investigação vemos as pessoas cada vez mais desanimadas. Sujeitas ao veto do patrão, discriminadas nas instituições de solidariedade quando, por exemplo, não são católicas. Se forem prostitutas, não têm direito ao rendimento social de inserção. Estamos numa sociedade em que o terço de baixo da sociedade tem cada vez menos acesso à democracia.
Para colmatar a crise há o crescimento de iniciativas de caridade. Como é que vê isso?
Não ponho em causa os valores éticos de quem faz isso. O que eu ponho em causa é o seu sentido político. Nós temos uma tradição, que vem desde o Salazar, de que o Estado não tem de se imiscuir nas questões sociais, porque Portugal é um país solidário de camponeses e católicos onde a filantropia preenche perfeitamente as deficiências do Estado. Foi assim que Portugal foi durante grande parte do século XX, quando os outros países do continente estavam a construir o Estado social. Portugal tem duas gerações de trabalhadores com Estado social. Os netos deles são a geração à rasca. Não durou mais que duas gerações. A linguagem que está a ir para a comunicação social substitui o conceito de direito pela ideia de que estamos perante uma regalia que é um privilégio. É um deslize linguístico que captura a evolução dos tempos.
Disse-me que o nosso problema é o governo, mas também o Partido Socialista, que não rompe com este tipo de políticas. Acha que são precisos mais partidos ou estes bastam?
Estes bastam. É pública a minha intervenção no sentido de procurar uma aliança entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda. E a razão pela qual não incluo o PCP é porque ele não tem tomado uma posição europeísta. E eu estou convencido de que, na situação actual, para que não haja uma catástrofe, a solução tem de ser europeia. Se não for europeia, vai ser através de um empobrecimento drástico da população. O PCP tem estado arredio de propostas inovadoras para a Europa. Não é o caso do PS e do BE. O problema é que estas esquerdas têm um passado que é muito mais forte, muitas vezes, que o seu futuro e que tem tornado essas soluções muito difíceis. Neste momento, eu acho que vai haver mudanças. O PS é o produto da desertificação da esquerda. Penso que o Partido Socialista tem líderes em gestação para assumir uma alternativa.
Mas, até agora, o PS e o PSD não têm protagonizado a gestão de uma espécie de centrão dos interesses ?
Assim é. Mas este tipo de política do PS não tem futuro. Está vinculada às políticas da chamada Terceira Via, que nada mais fizeram do que a gestão neoliberal: uma espécie de capitalismo com rosto humano que nunca teve. É preciso um Partido Socialista com outro líder, não pode ser este. Não tenho nada pessoalmente contra este, mas são precisas pessoas que não tenham sido criadas nesta zona de conforto, com imaginação, para soluções de desobediência. É preciso ter carisma, ter organizações fortes e a capacidade de pensar o impensável. Só assim se faz uma política de renovação.
O facto de não haver alternativas políticas evidentes a estas políticas não está a esvaziar a democracia?
Isto é claro, até de um ponto de vista simbólico. Até aos anos 80, o Ministério das Finanças não tinha qualquer relevância na organização do governo. Os ministérios mais importantes eram Educação, Saúde, Trabalho e políticas sociais. A partir dos anos 80 começa a ganhar importância o Ministério das Finanças. Os parlamentos perdem poder em relação aos executivos. É uma política, apoiada em todo o mundo pelo Banco Mundial e o FMI, de concentração de poderes nos executivos, com elites mais dóceis, menos sujeitas ao caos da deliberação política pluralista. O esvaziamento faz-se fundamentalmente pela manipulação do medo. O neoliberalismo assenta na polarização social e na manipulação do medo. Todos estes governos – e aí os Estados Unidos foram a linha da frente que vemos nos outros países –, todos os Estados têm promovido políticas através das quais justificam o baixar os critérios de legalidade e de defesa dos direitos humanos. Desde os anos 50, elas foram três: a primeira foi a luta contra o comunismo, que permitiu abandonar o primado do direito. Medidas de segurança em vez de penas. Torturas e assassínios. Quando a luta contra o comunismo termina entra a luta contra o terrorismo, que é mais um mecanismo através do qual se pode baixar o critério da legalidade. Veja-se o caso de Guantánamo, que não é só naquele lugar. E em muitos países e partes do mundo soma-se a guerra contra a droga, que permite formas globais de dominação que assentam na manipulação do medo. É a criação de cidadãos assustados que querem câmaras de vigilância, mais polícias e mais prisões. Não é gente que quer arriscar democraticamente, com uma cidadania activa e novas ideias.
O professor foi um dos pioneiros dos Fóruns Sociais Mundiais. Como vê o surgimento dos movimentos de desobedientes em muitas cidades do planeta?
É uma mudança e um grande desafio ao Fórum Social Mundial, assim como a todas as correntes progressistas do mundo. Por uma razão simples: toda a prática de mobilização política assentou na ideia de que há uma sociedade civil organizada e uma sociedade civil não organizada. Durante muito tempo, a parte mais importante dessa dinâmica foi protagonizada pelos partidos. A partir do ano 2000, o Fórum Social vem dizer que não são os partidos, mas também os movimentos sociais que têm um papel fundamental na dinâmica das sociedades. Esse processo fez-se afirmando a nível global que há outras formas de organização política que devem ter voz para além dos partidos. Só que nos esquecemos de que a esmagadora maioria dos cidadãos não é membro dos partidos nem dos movimentos sociais. É a isso que na teoria política, de esquerda ou de direita, se chamou sociedade civil despolitizada, porque desorganizada. Nem os sindicatos nem os partidos cuidaram da maioria dessas pessoas. Verifica-se agora que esta parte da sociedade começou a mobilizar-se. Muita gente que não tinha até agora arranjado motivos de mobilização começou a encontrá-los. É uma alteração, será uma alternativa? Vamos ver.
Este Observatório sobre Crises e Alternativas e o dicionário que editaram cumprem que papel?
Fundamentalmente, pretende lutar contra o pensamento único. O Centro de Estudos Sociais é um local de produção de conhecimento de excelência, conhecido por fazer análises empíricas sólidas da sociedade portuguesa na área da justiça, saúde e social. Pensamos que era muito importante nesta altura de crise dar a conhecer alternativas e outras formas de pensar que não se enquadram nesse pensamento único. O observatório visa mostrar alternativas. E não falamos de grandes rupturas ou revoluções. Nós não temos certezas suficientes para criar sociologicamente as condições que foram historicamente as da revolução. Nós temos condições para a rebeldia, mas não para a revolução.
Esta crise a que assistimos era inevitável?
Nenhuma crise é inevitável. As crises acontecem. Podemos dizer, em termos muito teóricos e abstractos, que as crises são inevitáveis no capitalismo – já o velho Marx dizia que o capitalismo é um modo de produção que avança por via das suas contradições, que podem produzir crises de vários tipos. E, normalmente, há muito sofrimento humano, muita destruição criativa, como defendia o Shumpeter, para passar a uma outra superação dessas crises. Obviamente que isto é uma leitura que dá a entender o capitalismo como eterno. Uma outra leitura que vem dessa tradição, mas é diferente, da teoria do sistema mundial de Wallerstein é no sentido de que, se as crises forem sobrepostas – as crises de longa duração, as crises cíclicas, as dos ciclos de Kondratiev –, então podemos estar perante um colapso do sistema. É isso que a teoria do sistema tem vindo a avançar, sem grande êxito. Normalmente, estas teorias exigem pressupor o que vem depois, o que é muito difícil de saber. São teorias que afirmam que um país, um grupo de países ou uma região domina em cada momento o mundo, e não tem sido fácil prever que países vão ser no futuro. Nos anos 80 dizia-se que era o Japão. Depois, o Japão colapsou ou, pelo menos, estagnou. Agora é a China. Há quem pense que, eventualmente, o próximo sistema mundial não terá uma potência hegemónica, embora nada indique que assim seja. A crise em Portugal, nesta altura e neste momento, a nível de uma análise empírica de baixo alcance, era absolutamente evitável a nível do sistema em que a gente vive. Vão sempre surgir crises.
A crise portuguesa decorre dessa crise mais geral do capitalismo ou tem outras paternidades?
Ela é, fundamentalmente, uma crise do capitalismo europeu através das escolhas que foram feitas, sobretudo a partir do Tratado de Maastricht, a partir de dois grandes mecanismos que fizeram com que os países menos desenvolvidos começassem a colapsar. Os dois mecanismos foram a abertura aos mercados mundiais e o euro, desenhado por um alemão, funcionário da Goldman Sachs, os grandes homens que definiram a Europa dos nossos dias, e fundamentalmente desenhado para a Alemanha, que se podia facilmente defender da economia chinesa. Estes dois factores fazem com que países como a Grécia, Portugal, Espanha, e parcialmente a Itália e a Irlanda, começassem a sentir os défices comerciais que foram alimentados pela dívida para obter esta sustentabilidade insustentável do aumento da dívida soberana. Um aspecto curioso é que este sistema tem tanta confiança que não concebe uma ideia de crise. Nos tratados não estão previstos mecanismos de saída e as situações de emergência, as derrogações dos tratados em caso de emergência nacional, como tem o tratado da Organização Mundial do Comércio ou outros tratados internacionais. Para o pensamento dominante seria sempre uma soma positiva que era boa para todos.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Livro de Elísio Estanque "Classe Média: Ascensão e Declínio"

A classe média como a conhecemos em Portugal pode desaparecer como consequência da crise económica que o país atravessa, disse hoje à Lusa o sociólogo Elísio Estanque, que lança esta semana um livro sobre este tema.
A classe média «está em risco de um empobrecimento muito rápido» que pode levar a um «descontentamento mais amplo na sociedade portuguesa» e ao «enfraquecimento do sistema socioeconómico e do sistema democrático», explicou o autor do livro «Classe Média: Ascensão e Declínio».
Para o sociólogo, a classe média em Portugal tem «dificuldades acrescidas» em relação a outros países ocidentais, que resultam de processos tardios quer de industrialização quer de adopção de um regime democrático.
Por isso, «a classe média que Portugal conseguiu edificar» foi criada num «processo muito rápido, pouco consistente, que resultou sobretudo da expansão do Estado social e que, na sequência dos anos 80 do século passado, sujeita a um discurso mais ou menos eufórico orientado para o consumo e para um certo individualismo, criou um conjunto de expectativas relativamente às oportunidades do sistema».
No entanto, a crise económica que Portugal enfrenta está a defraudar essas expectativas, considerou Elísio Estanque, explicando que isso levará a uma alteração da sociedade a partir da insatisfação dos jovens.
Muitos jovens, que fazem parte da classe média mas que têm formação superior, vivem uma «condição de precariedade e insatisfação relativamente às instituições e à classe política», sendo esta faixa da sociedade que «alimenta os movimentos de protesto», explicou.
São eles que «incutem um novo discurso, uma nova leitura relativamente ao funcionamento da sociedade e recorrem a outro tipo de meios e de leituras da realidade. Se esses sinais conseguirem ser capitalizados e absorvidos pelos agentes da nossa vida política – partidos políticos, sindicatos, instituições em geral – pode ser que as instituições se renovem a tempo de evitar o pior», considerou Elísio Estanque, ressalvando que «terá de haver uma renovação».
«Estamos num momento de encruzilhada de viragem. Não é só Portugal. Estamos num mundo conturbado, estamos num momento de transição. Para o bem ou para o mal. A História está em aberto», referiu.
E, embora admita que os portugueses não costumam «embarcar em excessos como aconteceu na Grécia», o sociólogo acredita que a ideia de que Portugal é um país de brandos costumes é um mito.
«Em vários momentos da sua história, os portugueses mostraram uma grande irreverência, capacidade de acção e até algum radicalismo», concluiu.

Lusa/SOL